quarta-feira, dezembro 29, 2004

parece que a natureza nos odeia, pois é

que age contra nós e nos despreza

ó estupidez tamanha

e o que lhe fazemos todos os dias?
escarramos-lhe na cara, no mínimo dos mínimos
atraiçoamo-la com pregões de assassinos
tentamos dominá-la e destruí-la
para nos podermos vangloriar da sua submissão

e ela não cede, não!

queremos ultrajar a sua beleza
à nossa imagem feia
tentamos forjar a nossa tristeza à sua
e condensá-las na mesma teia

e prendê-las até à morte lenta
e estúpida
e cega
e bruta e horrível

a sua porta range
entramos triunfantes
pois não nos dignamos ao puro suicídio
sorrimos confiantes
e o sangue verde a esvair-se

ilimitadamente
inconscientemente
sofregamente



e então ela chora.
chora tanto que nos afoga no seu pranto.
e só nos queria afagar, no entanto…



terça-feira, dezembro 21, 2004

as mãos

as mãos eram frias, pois limitavam-se a escrever. não conheciam o tacto das coisas, só o descreviam pela memória das outras partes do corpo. não sabiam distinguir as formas, pois não lhes encontravam utilidade. na verdade, apenas tocavam superficialmente no mundo, partindo logo para a sua explanação – sempre metafísica (que alternativas?).

houve um dia em que o frio do mundo era tanto, tanto, que as mãos tiveram de agir para não deixarem as palavras que escreviam cristalizar.
e então sentiram, tocaram, rasgaram, acariciaram, numa dança de corpos e mentes. e a dança não era só do seu corpo, nem era por ele que a faziam, mas sim por um mundo de corpos que todos os dias nos faz uma cama para podermos deitar-nos.

depois, o mundo aqueceu as mãos. contou-lhes, em surdina, que aquilo era o começo do seu calor, que não podiam deixar de agir, senão o mundo ficaria cada vez mais frio e duro, e, ainda por cima, contra a sua vontade…

as mãos começaram então a falar com os braços, a mimar a cabeça, a tocar o tronco e a sentir as pernas, e perceberam…

não estamos sozinh@s


domingo, dezembro 19, 2004

que coisa se passa por aqui

são dias azedos e dores no peito
uma flauta demasiado aguda a zumbir-me irritantemente aos ouvidos

e as histórias de embalar, para onde foram?

"eu sou a rosinha, a tua amiguinha, vamos dar as mãos e cantar uma canção"

desespero nas linhas tortas do que vejo
do que penso
do que sinto

não tenho mãos por que me possam agarrar
não tenho boca para cantar

não há voz no meu mundo
estúpido mundo
estúpida eu
o mundo não é meu

quero ver luas e sóis e estrelas e flores
quero campos verdes
cheiros

quero amor



e o sol vai brilhar para ti porque tu és lind@


ensinem-me a sorrir


quinta-feira, dezembro 16, 2004

os meus olhos estão entreabertos para que me possas ver tanto acordada como a sonhar

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já é tarde, estou na cama, quentinha, à excepção dos pés, que estão frios - à espera de uma caminhada, possivelmente. quem sabe, à espera de um passeio contigo...

como se te passasse a mão pela cara, tocando os teus olhos e vendo o que tu vês por um segundo, dou uma festa ao ar. ele sorri, encolhe-se ao meu colo e abraça-me. dá-me um beijo com ternura, não sei bem onde, e corre por mim feito arrepio, sangue e pele.

ascende, trepando às mágoas. mima-as e desinfecta algumas feridas, acalmando a dor. pega na minha inconsciência e sopra-lhe vida, e murmura nos meus ouvidos: "amor"...

no meu peito, acaricia a imagem que guardo da meiguice. empurra-me, confunde-me, rodeia-me, balança-me, com força e mais força!... até que caio ao chão, tonta, perdida num sonho. não sei qual, não me lembro...

aí perdida e caída me deixa, entregue ao calor húmido da terra. afundo-me, em direcção a muito abaixo, onde não se respira por se sonhar tanto.



e depois ouço

não é necessário estar-se vivo para se sonhar, mas é necessário sonhar-se para viver

domingo, dezembro 12, 2004

queria fazer e sentir muitas coisas, mas estou sufocada.

suspensa no mundo pelo cordão umbilical, não te vejo! esgano-me a mim mesma por te procurar, mas não te capto… apetece-me gritar e dizer que te amo, ou não, não dizer que te amo, dizer que amo, o quê não sei, quem não sei, talvez tudo e tod@s!

não há tempo ou imagem que o explique.
estou só e não há nada que justifique o contrário.


de novo a embalar-me entre o tudo e o nada
o ninguém e o alguém

de novo solta e despida
a pele foi-me arrancada
estou a cair

digo-te que não pegues em mim

pois não, estou em carne viva,
ficarias cheio de sangue
a ver-me desfazer aos bocados

mas que violência é esta?

que ternura amarga me amassa
e te destrói?

não fujas

só quero um colo
um recado inesperado

um beijo perdido no ar que me encontre

um cobertor
ou uma pele nova

tenho vergonha
tenho medo
tenho vontade
mas não sei de quê

o mundo mata-me
ao tentar viver-me

o espaço pisa-me

gostava de ser vento
de não ter corpo


mas sentir-te




e, afinal, não te tenho…

domingo, dezembro 05, 2004

Carta ao Pai Natal

Querido Pai Natal…

Este ano não sei bem o que te pedir. Queria tantas coisas! Será que poderias dar-me pelo menos uma? Ao equacionares essa hipótese, lembra-te que não deixei de te escrever em nenhum ano e que sempre te respeitei (apesar de não te compreender).
Então é assim: como já não tenho idade para pedir brinquedos – já passei à fase de os fazer ou comprar eu –, pensei em pedir-te roupa. Só que entretanto estive na rua (hoje está frio e a noite vai longa) e vi pessoas tão pessoas como eu adormecidas no cimento, tapadas com cartões. Concluí que a roupa que já tenho sobra-me e faz falta a outros. Para quê mais? Por isso, esquece.
Depois pensei em música. A cultura é linda! Preciosa para o meu bem estar!... e ao de uns tantos outros que gozam com a exploração do trabalho alheio. Fazes ideia de como tudo está ligado? Da Nestlé à Warner Lusomundo, a teia de ligações capitalisticamente perigosas para a sustentabilidade do nosso mundo??? Valha-me a pirataria!... E as lojas é que não escapam… Bem… é isso, não vale a pena. Esquece, também.
Entretanto surgiu-me a ideia de te pedir livros. A lista da escola vai em infinito + 1, não dá para os comprar todos… (nem ler… ups!) E para que tos pediria neste momento? O que eu vou precisando relaciona-se com um contexto de espaço e tempo, não se cinge a uma fase dita de “consumo habitual e justificado”. Sou uma apaixonada por livros, ok. Mas há tantos à disposição que ainda não li! Há tantas pessoas dispostas a emprestar-me obras novas, tantas bibliotecas por explorar… Deixa lá, Pai Natal. Fica para a próxima! ;)
Não preciso de meias ou cuecas. Nem de bijouterias, maquilhagem, perfumes e adornos que tais – para ser eu, englobada no espírito de fraterna verdade do Natal.

Por acaso, queria falar contigo sobre o espírito. Não quero interferir com crenças religiosas, não. Mas o espírito não devia ser de comunhão, alegria, fraternidade, reflexão? Então porque é que as pessoas andam por aí atarefadas a fazer compras insignificantes em vez de conviverem em paz? Porque se matam todos os dias para ver quem consegue comprar mais, em vez de se unirem como irmãos, companheiros, pares, similares viventes? Dá-se por se dar e não por significar? Bem sei que a intenção possa nem sempre ser má, mas onde ficou a reflexão? Guardada no mito? Perdeu-se nas férias? Fugiu para algum lado?

Quero pedir-te um sorriso sincero e um beijo terno. Um abraço de amor, um colo meigo e não uma cadeira de ouro. Uma palavra alegre e não uma acusação de crime por divergência. A capacidade de estar com quem me magoou e, não obstante, ver um arco-íris. De dar a mão, o corpo, a mente, a quem o faça também comigo. De espalhar a felicidade.

Pedi muitas coisas. Pode ser que saia alguma!...