É uma língua, nada mais que isso. Permite-nos comunicar com quem connosco partilha um conjunto de regras descritas no seu código linguístico. Se correr bem, fazemo-nos entender; caso contrário, há que rezar por uma saída cómica da situação.
Quando é do coração já vem viciada. Ao código soma-se um posto, algures do lado esquerdo do corpo, e por ser do corpo já vem remexida de entranhas e sentires. O que dantes implicava dois corpos próximos, hoje nem tanto; podem ser simplesmente dois corpos imaginados. Um que imagina o outro, tem de o imaginar porque não o vê (não vale imaginar porque não gosta do que vê - isso cai fora da língua do coração, não respeita a sua deontologia).
Quando ela fala (a língua do coração, entenda-se) expõe de tal modo a alma que esta vem caindo pelos olhos. Creio ser mesmo um factor de sobre-exposição. Estilo escaldão linguístico, de tão emotivo. A água acalma por onde passa, por isso a língua do coração pede a sua presença refrescante. Outras vezes pede-lhe que afogue, porque as palavras já não devem sair com vida. Ao se tornarem um problema, como em qualquer outro sistema ecológico, arranja-se maneira de responder. Qual frivolidade animal, que se afogue a palavra dura.
Se esta língua nos faz chorar muitas vezes... Pois. Não creio que compense desistir dela. É capaz de ser das únicas que nos move mesmo desde a essência. É a língua das nossas primeiras palavras (da minha todóia, por exemplo, que ainda hoje continua a ser o reflexo da calma em mim produzida pelas flores), dos nossos primeiros, intermédios e últimos amores, das nossas discussões entre o eu1 e o eu2 sobre dilemas que dilaceram o nosso coração.
É também aquela língua que não esquecemos. A amnésia pode quebrar a memória do evento, mas não da forma como o comunicamos. Onde quer que estivermos - mesmo a milhares de quilómetros de distância do nosso húmus mais querido - conseguimos soletrar cada palavra proferida na língua do coração. E nunca o fazemos de modo errado. É uma língua mesmo nossa, aprendida por cada célula do que nos preenche.
É a língua das entranhas, do húmus e das lágrimas (menos visceral um bocadinho). Um dia ensinaram-me que podia ver se tinha aprendido outra língua caso me apercebesse que começara a sonhar nesse registo. E foi verdade. Mas essa língua sonha de noite, não fala da nossa essência plena. A outra é que é nossa. Essa fala de dia e sonha de noite. A outra sonha e fala dia e noite.
É muito nossa. É deveras inteira. Não quero perdê-la, por mais que nos chore.
(com ligação hipertextual:
http://bonnybubble.blogspot.com/2011/03/um-dia-destes.html)