segunda-feira, dezembro 05, 2005

homo bibliotecus complexus

És a minha biblioteca. Por mais que te invada, não te entendo em plenitude.
És plen@ de secções livres ou demarcadas, de curvas sublimes da tua inteligência. O pó não te esconde, és pouco velh@ – e por mais que passeie em ti não encontro o regresso do labirinto da tua essência.
O teu perfume não é de mofo, mas sim daquela musicalidade de folhas ante e pospostas que voam pelo vento das tuas janelas, e daquela cor de lombadas encarnadas de todas as carnes possíveis, e daquela rugosidade ténue de que se constitui a tua macieza.
O sol põe-se, e acende-se uma vela para te iluminar em pouca escala. Vestes-te de sombras várias – monstros, princesas, átomos, galáxias – e vives num escuro escondido, esperando dinamicamente que te explore mais uns segundos.
A tua imponência transparece à luz da vela, mais que à luz do sol. A lua mal te alcança, com medo que a explores em demasia... E, com algum receio, expões o arquivo morto e as estantes por organizar, as listagens caóticas, paradoxais à tua estrutura aparente e permanentemente vertical.

É aí que me deito, surpresa pela complexidade que sempre presumi em ti.
É nesse luar que transito, receando que me possuas com a tua imensidão.
É nessa vela que circulo, tentando iluminar os teus recantos.
É nesse arquivo morto que jazo adormecida, esperando ser acordada por alguns dedos macios – sob a forma de monstro, princesa, átomo ou galáxia.

Só varia o tempo
o sono
o estado
a luz disponível
o volume de páginas que me antecedem ou sucedem
o ritmo em que desfolham o livro (os livros?) em que estou inscrita
a ternura com que encaram a minha figura animal dentro da tua imensidão
a forma como me deixas perder em ti, no teu labirinto com saída de emergência imperceptível

Queria encerrar-te, não apresentas condições de segurança
... ou então deixa-me sentar ao colo dessa insegurança tão meiga

Nem tens as dimensões convencionais que permitam catalogar-te tal como às obras que te constituem
... mas deixa-me continuar a desfolhar-te

Nem os teus corredores têm luz suficiente
... mas queria voltar a percorrer esse labirinto, perdendo-me voluntariamente no frio das tuas estantes


Li nos teus manuais e aprendi a desconstituir-me. Já não sou o eu que aí entrou.

Por isso vivo para aprender a não ler, nem ver, nem cheirar, nem ouvir, nem tactear. Para não te reconhecer mais que o palco onde se encena a minha antítese.

Racionalmente designo:
quero viver a sentir.

Sem te tentar possuir

4 comentários:

Anônimo disse...

Ai eu adoreiiiiiiiiiii...

Bjkas no seu coração amiga

Anônimo disse...

texto mais perfeitinho.

tu, na minha biblioteca, fazes parte dos livros das coisas boa. daquele livro ainda nao acabado mas ja com algumas experiencias e recordaçoes.

obrigada por teres entrado na minha biblioteca um dia ao acaso. e por teres pegado, assim talvez sem te perceberes no livro da minha vida : )


beijinho*

Cíntia Pumes disse...

GRANDA POESIA!!!ESCREVE MTO BEM.

Bárbara Santos disse...

Olá. Sou a bárbara (16) e gostava de pôr este fantástico texto colado na parede da biblioteca lá do meu liceu. Para isso ainda tenho de falar com as professoras responsáveis e, evidentemente, pedir-te autorização. se não quiseres, não tem importancia...
já agora, qual o nome com que assinas?