segunda-feira, junho 03, 2013

Os extravagantes das 5h30 da manhã

ousam calcorrear a rua escurecida.
Fazem-no sem qualquer pudor ou audição,
compenetrados passo sobre passo,
como se a rua fosse apenas
extensão das suas pernas.
Quando muito,
dirigem a palavra à companheira do lado.

Vendo bem, quase só há companheiras
caminhantes nas ruas de Lisboa
às 5h30 da manhã.
Têm a pele escura
e seguem rápidas e acaloradas,
de chinelos e mangas curtas
e o cabelo entrançado ou preso.
Levam sacas na mão,
trocarão de roupa na chegada ao trabalho.

Pelas 6h o dia aclara
e há menos transeuntes no passeio. 
Passam apenas carros e carrinhas.
O dia terá de aclarar ainda mais
para que pessoas mais claras
calcorreiem esta rua.

O dia aquece
mas elas trarão mais casacos e menos sacas.
Virão em passo mais lento,
aquele passo de quem usufrui 
de um espaço já preparado.

domingo, junho 02, 2013

O céu acinzentou

dentro dos seus olhos.

Mas todos deveríamos saber
que aquele homem envelhecido,
de pronunciada ruga na testa,
quando era bebé
adormecia com festas entre os olhos.

Ele está curvado,
as costas cederam ao cansaço,
as mesmas costas que suportaram
o salto ao cavalo quando era miúdo.

As mãos tremem-lhe,
espalham açúcar fora do café.
São as mesmas que exploraram
o infinito corpo feminino na juventude.

Os braços fraquejam,
já não têm potência,
mas houve um dia em que os braços choraram:
quando pegou no filho pela primeira vez.



08-05-2013, Lisboa