sábado, dezembro 31, 2005

na vespera de 2006

uma mensagem linda, de uma pessoa linda - Salif Keita, africano albino, vítima de duplo racismo -, de uma ética extrema. não só por África mas por todos os povos e seres do mundo...

"hapiness isn't for tomorrow.
it's not hypothetical,
it starts here and now.
down with violence, egoism
and despair, stop pessimism.
let's pick ourselves up,
nature has given us extraordinary things.
it's not over yet, nothing's decided.
let's take advantage of the wonders
of this continent at last.

inteligently, in our own way,
at our own rythm
like responsible men proud
of their inheritance.
let's build the continent of our own children
and stop taking pity on ourselves.
Africa is also the joy of livings,
optimism, beauty, elegance,
grace, poetry, softness, the sun,
and nature.
let's be happy to be its sons,
and fight to build our happiness."

Salif Keita, Dezembro 2001 (capa do cd Moffou)



que 2006 seja, também através da nossa acção, um ano de beleza, paz e amor. que a luta por uma maior justiça não esmoreça, e que as pessoas sejam cada vez mais humanas, sem medo da imensidão dos seus sonhos e capacidade de mudança...


poemas de amor e utopia para tod@s *

segunda-feira, dezembro 05, 2005

homo bibliotecus complexus

És a minha biblioteca. Por mais que te invada, não te entendo em plenitude.
És plen@ de secções livres ou demarcadas, de curvas sublimes da tua inteligência. O pó não te esconde, és pouco velh@ – e por mais que passeie em ti não encontro o regresso do labirinto da tua essência.
O teu perfume não é de mofo, mas sim daquela musicalidade de folhas ante e pospostas que voam pelo vento das tuas janelas, e daquela cor de lombadas encarnadas de todas as carnes possíveis, e daquela rugosidade ténue de que se constitui a tua macieza.
O sol põe-se, e acende-se uma vela para te iluminar em pouca escala. Vestes-te de sombras várias – monstros, princesas, átomos, galáxias – e vives num escuro escondido, esperando dinamicamente que te explore mais uns segundos.
A tua imponência transparece à luz da vela, mais que à luz do sol. A lua mal te alcança, com medo que a explores em demasia... E, com algum receio, expões o arquivo morto e as estantes por organizar, as listagens caóticas, paradoxais à tua estrutura aparente e permanentemente vertical.

É aí que me deito, surpresa pela complexidade que sempre presumi em ti.
É nesse luar que transito, receando que me possuas com a tua imensidão.
É nessa vela que circulo, tentando iluminar os teus recantos.
É nesse arquivo morto que jazo adormecida, esperando ser acordada por alguns dedos macios – sob a forma de monstro, princesa, átomo ou galáxia.

Só varia o tempo
o sono
o estado
a luz disponível
o volume de páginas que me antecedem ou sucedem
o ritmo em que desfolham o livro (os livros?) em que estou inscrita
a ternura com que encaram a minha figura animal dentro da tua imensidão
a forma como me deixas perder em ti, no teu labirinto com saída de emergência imperceptível

Queria encerrar-te, não apresentas condições de segurança
... ou então deixa-me sentar ao colo dessa insegurança tão meiga

Nem tens as dimensões convencionais que permitam catalogar-te tal como às obras que te constituem
... mas deixa-me continuar a desfolhar-te

Nem os teus corredores têm luz suficiente
... mas queria voltar a percorrer esse labirinto, perdendo-me voluntariamente no frio das tuas estantes


Li nos teus manuais e aprendi a desconstituir-me. Já não sou o eu que aí entrou.

Por isso vivo para aprender a não ler, nem ver, nem cheirar, nem ouvir, nem tactear. Para não te reconhecer mais que o palco onde se encena a minha antítese.

Racionalmente designo:
quero viver a sentir.

Sem te tentar possuir

segunda-feira, novembro 07, 2005

há por aí restícios

tocaram-se imagens do que aparentamos
e esquecemo-nos de nos sentir

o vento deambula pelos teus cabelos
mal lhe tocas
mal me tocas
mal me quer
mal te quer

mas qual mal
qual desventura
qual ciclo interrompido pelas tranças da amargura

há por aí restícios

num fosso de lenha
lenha húmida
arde incandescentemente uma palavra tua

que agora somos palavras

e ao queimar faz muito fumo
muito
muito
até arder os olhos

só por isso choro.

há por aí restícios

no lampião partido
as cinzas baloiçam
ao colo da teia daquela aranha que fugiu dali

e sinto aquele prurido
comichão desconfortável
uma voz aos berros inaudíveis a dizer
“fugi”

foste com a aranha
e eu continuo aqui

há por aí restícios

subsiste aquela raiva
de não ter pernas para acompanhar os teus passos

perdemo-nos nos restos que nunca fomos
crentes num mundo que não conseguimos criar
ocorre-nos correr
gritar
gemer
morder
arranhar
ensurdecer
perder
louvar
derreter

mas por nada nos lembramos da pergunta,
aquela a que queríamos responder
quando demos a mão e partimos pelo tempo

vejo a marca dos teus passos
mas não sei para onde foste

há por aí restícios

pico-me numa rosa seca
o pico de tão seco não infecta
só arranha
arde sem doer demais

não é como a aranha que fugiu

e sou acusada de crime capital
por metáfora constante

em mim não há recurso à complexidade do objectivo
a polícia persegue-me

tentam sufocar-me os sonhos
forças repressoras do poder dominante
sem aparente mal

tiram-me a almofada
e a arma
arrancam desumanamente o imaginário
que injecto abusivamente nas veias

apelidam-me de contrabandista

ilegal

a sorrir, em estado tóxico
fora da lei do mercado

tento amar

há por aí restícios
feitos pólvora nas mãos do poder.

sofrer é censurado
voar é censurado
amar é censurado

há por aí restícios

e ao vê-los dou por mim a beijar a tua imagem
a mesma em que adormeci, bem enroscada
na qual não havia noite fria ou ladrões maus

vou com o vento
em lugar das cinzas
e tento ser censurada ao nível máximo.

é para isso que prevaleço
só por isso não padeço

mergulho nos restícios
e atiro-me dos precipícios
até que a censura me engula.

há por aí restícios

com o vento

a minha mão trémula

o meu corpo sonolento.


até que a censura me engula

segunda-feira, outubro 31, 2005

apelando à paz


a paz voa e pousa, é livre *

EU ESCOLHI A PAZ ! MY CHOICE IS PEACE ALL OVER THE WORLD!

PAZ -PEACE - PACO- PACE- PAIX- SHALOM- SALAAM- SHANTY- - 평화 - Мир - 平和 - Ειρήνη - 和平 -SELAM VREDE- PAKE - HETEP- RAHU - ASHTE - IRINI - HEIWA - SULH - MIR
PHYONGH'WA - EMIREMBE - PACI - FRED - SULA - POKOJ - PASCH - MIERS- UKUTHULA


CopY/Paste and put in your site/blog.Thank You.

quarta-feira, outubro 19, 2005

pauta quebrada

...


Aquele velho ritual de prender um bocadinho de vento na mão
aquele vento que não se prende
que passa entre as folhas
e nos toca docemente
doce frio

Aquele doce quente de olhar o céu
aquele céu com nuvens
e das nuvens fazer cavalos
peixinhos que se beijam no mar azul celeste
bonecos que perdem as pernas pelo caminho
mas que voam
e vão abraçar-se aos bichinhos fofos
imperceptíveis aos olhares frios

Ode à liberdade de visão
hino ao poder de criação

Sermos deusæs
não para dirigir orquestras
mas para inventar novas figuras musicais

Vaguear pelo imenso
na vaga incerteza das coisas dadas
e com aquela infantilidade reprimida
soltar gargalhadas, fazer cócegas,
tocar o limiar da loucura

Deixar formas, criar laços
com o vasto aroma da liberdade
pintar sonhos
doá-los aos cantos do infinito

Cantar povos e lendas e amores
e recolher a apara do lápis
para que outr@s se enamorem
e se beijem
e nos cantem outros povos e lendas e amores

Sorrir com doçura de criança
ou amar sem pretensão de resposta
ou correr pelos campos brancos de pombas brancas

Imitar uma abelha
uma margarida
um pôr-do-sol

Ronronar num colo fofo
fazer cafuné à lua
tomá-la na ponta dos dedos e jogar berlinde

E aí abandonamos o medo.

O segredo é molhar os olhos
para que jamais percam o seu brilho
e acender o rastilho do sol
para que nos sirva de cobertor.



O resto é amor.

domingo, outubro 16, 2005

um reflexo do que me fazes ser

desta vez o texto é mais longo, com mais influências de parede: "tanto que dizer... e tanto silêncio...", praça filipa de lencastre; "amar es el empieze de la palabra amargura", talho de cedofeita; "o meu abraço tem a forma do teu corpo", teatro carlos alberto.



um reflexo do que sou



Há momentos em que não entendemos o silêncio. Temos esse direito. Aqueles pequenos sons que nos passam entre os dedos vão fluindo melancolicamente através do tempo. Não são cães, nem carros, nem vozes, nem folhas de árvores – basicamente porque não nos apercebemos, porque focamos a objectiva para o não-ser que existe no meio de tudo.
Depois lembramo-nos do nada e até nos apetece viver lá. Porque no nada flutuamos como os sons, não há corpo que se nos sobreponha, não há ilusão que nos fira ou espírito que nos corrompa. Somos, simplesmente.

Mas o nada parece tão vazio, tão desprovido de tudo… De que adianta alhearmo-nos na sombra da noite, debruçad@s na janela do quarto, a ouvir o vento passar? Não nos alimenta, nem nos faz sentir vivos ou úteis… E o tempo flui, ao seu ritmo, sem nos tomar por notas ou pausas musicais.

Há tanta raiva subjacente à calma que aparentamos… “tanto que dizer… e tanto silêncio…”

Queres que te conte uma história? Que te ponha um “Era uma vez…” a meio do discurso, mesmo sabendo nós que esses vastos mundos hipotéticos ou condicionais ainda nos vão doer mais que a visão do vazio?...
Não te deixo. Seria demasiado fácil e contundente para as expectativas do mundo.

“Amar es el empieze de la palabra AMARGURA”

… e sinto tanta raiva… daquelas que estão entranhadas na pele e na língua, e na retina dos olhos, e no sal das lágrimas. Daquelas que escondo, camuflada por sorrisos conscientes do seu fundo impróprio. Como se fosse um beijo interrompido por um abrupto silêncio, incomodativo, com mau sabor, de uma agressividade latente sem escrúpulos ou limites…
Mas é assim que te amo. Sem escrúpulos ou limites, de forma interrompida, silenciosa, incomodativa, agressiva e com o sabor mais agreste de que a natureza me poderia cobrir.

Tens o espaço e o tempo, não tos roubo. Volto ao vazio, à amargura solitária de quem ama mas não te sente, te procura e te encontra longe.

O teu corpo tem a forma de outros braços, não dos meus. O meu corpo é permanentemente amorfo, qual estabilidade aparente…

O sol foi-se embora. Vai nanar, meu amor… Cobre-te de lua e de estrelas, noite dentro. Fico de longe a cantar-te o silêncio, a dor cobre-me e tira-me o frio, a raiva aquece-me as mãos. Caminharei até os pés aquecerem, sangrados, à procura da tua imagem algures no sono.

Estou demasiado nua, desculpa-me a ousadia… Não quero que me toques, seria ultrajante. As palavras escorrem pelo meu corpo como gotículas de suor, e permaneço fria. Os sonhos palpitam a uma velocidade estonteante, fazendo com que o meu peito não caiba nas suas próprias dimensões. Os braços alongam-se e vão estreitando até deixarem que os dedos toquem o nada, paralelos às contracurvas do meu corpo… Pés pequenos, doridos, em ferida. Pernas flácidas, curtas demais para a distância que nos separa.

Que corpo insuficiente para ocupar o teu espaço…

Mas esta sou eu, nua e crua, alojada no vazio dos olhos por que passamos.

Dou-te os meus olhos, têm palavras mais puras que os meus dedos.
… Não os queres ver? Pena…

Mas deixa lá, não faz mal. Conformei-me na melancolia das coisas simples, das músicas feitas, das palavras previsíveis, dos olhos fechados.

Vamos dançar, o mundo é nosso e somos pequenin@s! Que a alegria é irmã da melancolia…


Um beijo no meio do sempre*

sábado, outubro 08, 2005

monólogo de uma actriz enquanto se maquilha




Vou fazer o papel de uma bêbeda
Que vende os filhos
Em Paris, no tempo da Comuna.
Tenho apenas cinco réplicas.

E preciso de me deslocar, de subir a rua.
Caminharei como gente livre
Gente que só o álcool
Quis libertar e voltar-me-ei
Como o bêbedo que receia
Ser perseguido. Voltar-me-ei
Para o público.
Analisei as minhas cinco réplicas como os documentos
Que se lavam com ácido para descobrir sob os caracteres visíveis
Outros possíveis caracteres.
Pronunciarei cada réplica
Como a melhor acusação
Contra mim e contra todos os que me olham.

Se eu não reflectisse maquilhar-me-ia simplesmente
Como uma velha beberrona
Doente e decadente.
Mas vou entrar em cena
Como uma bela mulher que guarda a marca da destruição
Na pálida pele outrora macia e agora cheia de rugas
Outrora atraente e agora repelida
Para que ao vê-la cada um se interrogue: quem
Fez isto?


Bertolt Brecht

sexta-feira, setembro 30, 2005

tempo

mais uma divagaçãozita à custa de devaneios... desta vez, o mote foi "o passado é uma emboscada", intervenção de parede na praça filipa de lencastre


Estás pres@ no limiar da loucura

os teus olhos tecem pautas
subscritas em leituras imperceptíveis
quais amarguras
quais feitos incríveis
quais caudas
ou braços
ou pernas
quais traços
imperceptíveis como tu.

O passado é uma emboscada
e não há futuro de mão beijada

não há beijo sem golpe
não há melodia sem voz

e o presente...
somos nós.

Houve tempo
há tempo
lembras-te daquele suspiro
e daquele arrepio

E agora, frio
e daqui a pouco, novo arrepio

Ainda não aprendeste a ler
não consegues ouvir o calor

Olha! Uma flor...
tem cor de arco-íris.

Sussurra-te docemente
até te aproximares

sente-a, não a arranques.

Entre vozes estanques,
silêncio dolente

imensidão inatingível

sente o ininteligível...

Dói. Aperta.

Mas ainda há uma flor.

Pres@ no limiar da loucura,
ainda és feit@ de amor.

O passado é uma emboscada
e o presente azeda.

Que queda
do infinito...

Perdidos no imenso,
tão sós,
agora não há tempo...

Somos nós.

quarta-feira, setembro 14, 2005

benvindos à quimera do ogre

vagueio pelas ruas, vejo como a minha indignação não é só minha...
algures na travessa de cedofeita foi escrito na parede: "mas que bem laborais para a quimera do ogre!" ...com quanta razão...

eis o meu "pequeno" grito de indignação


Escorrem-me orações pelos braços
quais lágrimas azedas
quais crenças perdidas
em traços, nos meus braços,
labaredas
no fogo da razão, aos pedaços

como que existências irreais, desmedidas

Escorrem-me dos braços ao peito
no peito uma tontura

onde está a ternura?

no peito uma tontura,
um abraço perdido no tempo
toma o ódio como sustento
e suspira, escorrega

manchas vermelhas na vitrine
ecrã gigante da vida
perdida
desmedida
odiada e odiável
corpo ou espírito, nada moldável

Escorrem-me do peito para a cintura

onde está a ternura?

escorrem-me do peito para a cintura
em curvas e contracurvas quebradas,
acentuadas perseguições
cegas,
visões tristes, desenxabidas
de quem dispensa mais vidas

Sem delongas,
corpo e espírito em tortura

onde está a ternura?

corpo e espírito em tortura
suave tortura
corrosiva
fricativa
tortura mole, prolongada
ser morto servindo de espada
a batalhas ascendidas
corrosivas, fricativas
batalhas em nome código

só ódio
só ódio

batalhas em nome código
guerras sem nome próprio
olhos escondidos nas sombras
nos escombros
um grito abafado
sufocado por um pano podre

benvindos à quimera do ogre

dor sem fundo,
sem luta.

E uma nota solta, perdida
desmedida
adorável
incomensurável
te procura

onde está a ternura?

te procura
no mercado, na praça,
no convento das orações,
no campo, no rio,
no mar, na floresta,
na rua, na giesta

soa uma sirene
convulsões
tudo corre até ao pódio

só ódio
só ódio

tudo corre até ao pódio
onde jaz a alma, a tua vida
incumprida
desmedida
perdida

os teus olhos aí perdidos
brancos, deslavados
testemunhas coniventes
da tua destruição

não não
não não

e eu amo-te tanto…
amo a tua candura

onde está a ternura?

amo a tua candura
és branco de morto
branco de vazio
morto vazio e nada
só corpo
mais nada

grita, chora,
és espada
de uma batalha ascendida
perdida
desmedida
batalha errante contra a vida

exército de mortos operantes
corpos errantes
todos no pódio

só ódio
só ódio

belos de candura

onde está a ternura?

a vida a fugir-nos da mão

não não
não não

NÃO!

Amo-te com amor… não com ódio
desce comigo do pódio
vem para o chão ser humano
dá-me calor
dou-te ternura
doçura
amor

terça-feira, agosto 23, 2005

... e depois?...

mais um campo de férias... que saudades tinha, com quantas mais fiquei!

há espaços que concentram tanta vida que, depois, fico sem saber onde viver. (ou então ainda não me habituei bem à ideia de ser nómada)
sem dúvida que este foi um deles, no qual vivi com pessoas tão lindas e que me tocaram tanto que agora ando perdida por não as ter aqui ao pé de mim, no gozo ou com mimos ou em partilha de mau estar ou seja como for. XUNGA distância, mas imprescindível para o valor que adquirem estes campos e toda a dinâmica que nos proporcionam.

adoro-vos, minhas baratinhas voadoras! :)

continuem a voar cada vez mais alto, mas não fujam, por favor...


... and it's never all, folks! ;) * * *

domingo, junho 19, 2005

e se eu agora dissesse que te amava? falta sempre dizer tanta coisa...

está quente cá dentro.

custa acreditar que de repente ficaste fri@. que te foste embora. que já não te vou poder dizer muitas coisas que nem sabia que faltava contar-te, porque fugiste antes de me aperceber que o tempo existia... custa perceber que o tempo come.

se no teu sorriso pudessem caber cinquenta sóis, concerteza os transportarias contigo. é uma luz que te faz parte, gratuita... e falo no presente quando já cá não estás para me ver ou ler as minhas palavras. já não te podes agarrar ao meu braço a chorar para não te deixar sozinh@ no escuro, porque também tens medo, como eu, nem ao meu pescoço com um mimo despreocupado porque este tempo comilão não chegou para acabar com aquilo que une as pessoas desde sempre, o afecto que nos tínhamos, a amizade subjacente aos gritos e aos silêncios, que assim de repente se converte numa folha pequenina que me entregam “para não chorar, porque sou amiga, e só me queria ver feliz”.

é muito estranho perceber que não volto a sentir-te aqui, sem alternativa. ou então é tão natural que assusta... e agora, vê: a quantas pessoas me falta dizer que amo, que não quero perder nunca – mesmo sem nunca as ter – porque pintam a minha vida com aquelas cores que eu não tenho nem nunca terei? quantos abraços me falta dar até o tempo me comer a mim?

merecias muito mais, que todos os que agora choram tivessem estado ao teu lado quando eras tu a chorar – ou a rir... que nunca ninguém tivesse desistido de ti porque não eras fácil, porque eras grande e lind@ mas de uma forma muito tua. mas vais ser sempre lind@ aos olhos de quem, por instantes ou desde sempre, te sentiu...


um abraço ao longe, no vazio.



já não choro, não. há muitos sorrisos para dar, vou tentar aprender como sorrias tu (que tantas vezes o fazias) e passar um pouco do teu testemunho. depois pode ser que encontre o meu...

e há muitas pessoas para amar, não há? :)



amo-vos* * *

segunda-feira, maio 02, 2005

o que sou esvai-se em traços.




esta era a minha parede lisa. a linearidade foi-lhe sugada por mim. agora sou eu que não sou nada, recta, de cor fria e uniforme. há tanto tempo que não tenho mais palavras ou traços... há muito tempo que não sei sonhar.
mas lá vou explorando o nada, o preto e o branco, a pose e a curva, num rodopio demasiado meu para que alguém o percepcione.


as árvores já têm folhas e das plantas já nascem flores. falta uma música e um gesto, um abraço daqueles que não me lembro ou uma mão a tocar-me a cara. mas de que adianta a falta que me faz o que não tenho?... não há e pronto.



o mostrinho da minha parede é meigo. só tem cabeça, não tem corpo. vive só de vez em quando, se alguém sonhar com ele. não tem cabelo, e é pálido. nunca lhe dei cor. eu nunca dou cor. mas tem uns olhos marcados e fundos, vê por mim aquilo que eu não vejo nem sinto. "sente o que eu não sinto em mim". é docemente irreal.

a realidade é azeda. amarga. ácida. não tem narizes pequeninos nem sonhos possíveis, orelhas grandes ternurentas ou doçuras no olhar.

o resto, é sonho*

segunda-feira, março 28, 2005

"Os meus olhos são uns olhos...




... E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem luto e dores
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.

Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros, gnomos e fadas
num halo resplandecente.

Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes."



Impressão digital

António Gedeão

terça-feira, março 01, 2005

quem sou eu




se não tenho olhos e os meus lábios pararam? se não te posso sussurrar que te amo ou te detesto ou que não és nada para mim? quem sou eu se me fecho em vez de te tocar?... é isso, ninguém. fico cinzenta de esperar pelas palavras que não ouço. e não vejo, porque também não há coisas para ver. nem preta nem branca, mantenho a mente tão cinza como aquela cinza que vou ser um dia quando cair à relva ou à água, depois de ser mais fogo. um dia vou ser uma luz que voa na terra do nada, onde, como não há nada, a solidão não existe. mas entretanto preciso de me tapar porque a temperatura está negativa e eu congelei os dedos por tocar o ar a ver se te encontrava... como não te vi, também congelei o resto do corpo e, na verdade, sou a estátua que vês, imóvel, desviva, feita fóssil para colecção. que é o mundo mais que uma colecção de corpos?...


...um beijo colar-te-ia, sem me derreter. já não conseguirias chegar aqui, o caminho enrolou-se assim de repente, deu um nó e deixou de existir.

toma, é para ti...

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

la fianna




há imagens suficientes para que nem sempre se tenha de dizer alguma coisa, mas vivemos aprisionados no mundo das palavras.
o fogo das cores e o calor que barcelona me deu...

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

não quero,

estou aqui mas não quero.
é tudo muito interessante
faz as pessoas altas
os olhos semicerrados alcançam tão longe

mas os braços e as mãos não.

aprendemos a viver a solidão
aquele ficar molhado com a chuva sem que ninguém nos enxugue a testa
chegar a casa e ver sempre os mesmos quadros tortos
quartos vazios, arrumados ou não
corredores asfixiantes
corpos exangues
ausentes.




não consigo parar de chorar e de debitar palavras estúpidas, quase tanto como eu, apetece-me mandar tudo pela janela e atirar-me depois, sentir o vento, a ver se ele é mais macio que as palavras e que aquilo que se pensa, ver se é mais frio que eu, se também chora, e depois procurar flores e cheirá-las e pensar que o perfume é a vida e que por isso ela é bonita, não ver números, estou farta de ser números, ser flores folhas ramos troncos raízes terra bichos água luz, ser qualquer coisa que não algarismos ou algoritmos, gostava tanto de ser pessoa pessoa e não pessoa fantoche, estou a crescer para onde se não caibo aqui?, vou deslizando de dentes no chão e olhos vermelhos até não me encontrar mais, perder-me suficientemente bem perdida para não me lembrar que alguém se possa encontrar,

os olhos acabarão por pesar tanto que fecham, cansados, e me adormecem numa falsa ternura de uma ausência de ti.





terça-feira, janeiro 25, 2005

música flui em caminhos dispersos

como se de uma valsa se tratasse, rodopiamos junt@s na pista fictícia. tocaste-me carinhosamente na borboleta que trago ao peito, "é linda para ti" apeteceu-me dizer-te, mas talvez o teu sorriso tenha ouvido isso antes mesmo de eu o pensar. e continuámos a rodopiar, mas afastad@s, cada um@ para o seu espaço no espaço que tínhamos. o que faço agora? que caminho é este? estamos tod@s dentro de quatro paredes e sobra tanto, mas falta tanto, a cortina preta tapa tanto, só se vê um pé, então e o passo, e o caminho, e o tudo?!...

AI, falta mas tenho demais! que sofreguidão de coisas, de estados, de tempo!

a música continua, está mais soturna. ou melancólica? sou eu que a ouço...

não há mal, os símbolos sentem por nós... sim... podemos dar-nos ao prazer do não sentir... pode ser que encontremos a paz nos turbilhões energéticos aqui pelo nosso meio. se não houver paz? há música...




perdi-me







não, não me encontres




sexta-feira, janeiro 14, 2005

crescemos e falta-nos carinho

falta mimo com pão, não tanto queijo com pão. temos a mais de preocupação e de dívida, estamos em permanente falta para com @ tod@. matamos sem sequer perguntarmos para quê, morremos sem percebermos porquê, e o "quê" vai passeando por aí, cada vez maior, mais bruto e feio.
e depois se choramos somos uns abaixo de nada, porque nada já nós somos. se nos atrevemos a sentir e mostrar que sentimos é porque somos de outro mundo que só tem de ser eliminado. se lutamos por algo em que acreditamos somos utópicos à escala universal e resta-nos uma morte mais dura e penosa por não nos conformarmos.

mas precisamos e sufocamos sem o que alimenta o conformismo, o corpo está no mesmo chão. e sem "aquilo que alimenta o coração" não temos mãos que aguentem a dor. esprememo-nos mas dói cada vez mais. pica muito, desfaz, quase destrói!

criemos a ternura, não desistamos dela! sejamos activist@s de amor, inclusivos da atenção, companheir@s a flutuar num espaço cheio mas tão vazio!...


am@r sem dor nem fim

um abraço muito apertado para quem quer e precisa dele
deixa-me dar-te um bocadinho de mim

**************************************************




domingo, janeiro 09, 2005

falta sempre uma parte do que se é.

os lábios escondem os olhos, o pescoço esconde o peito, o sorriso esboçado esconde a mágoa desbotada.

mas há uma paz que quer sair. uma voz que quer cantar em coro, fugindo do boneco de cera e agarrando-se até às flores mais pequenininhas.

uma entidade estrangulada na cor que não se define. escorrega pelo pescoço até ao nada, onde se afunda…




We were so close, there was no room
We bled inside each others wounds
We all had caught the same disease
And we all sang the songs of peace

Some came to sing, some came to pray
Some came to keep the dark away

Melanie Safka, Lay Down


Don’t question why she needs to be so free
She’ll tell you it’s the only way to be
She just can’t be chained
To a life where nothing’s gained
And nothing’s lost
At such a cost

There’s no time to lose, I heard her say
Catch your dreams before they slip away
Dying all the time
Lose your dreams
And you will lose your mind.
Ain’t life unkind?

Rolling Stones, Ruby Tuesday




… e adormece.

vem adormecer no meu colo, no meu peito.
no meu eu, que não conheces e é tão teu*




segunda-feira, janeiro 03, 2005

no buraco da parede

em que me encontraste, deixei-te um recado. não o escrevi, só o deixei lá, para que o sintas, já que não me sentes.
dizia que lá ao fundo, onde os olhos queimam por não conseguirem albergar, há uma fonte com musgo. para quê, perguntas? pode ser para nada. nós já temos tantas coisas… tantas que levam ao desprezo de todas. é como com as pessoas, que também deixam de ser importantes porque são muitas. assim, se lá fores e escorregares, como aquilo não é para nada, ficas verde porque sim. só que, quando eu te vir verde, sei que isso aconteceu porque sim, mas foste lá porque sentiste o meu recado como não me sentes a mim.
se eu fico triste, não interessa. faz de conta que não sinto. se calhar nem sinto mesmo…

agarraste-me e sacudiste-me com toda a força, até ficar tonta e quase inconsciente. libertaste o que eu não sabia ter trancado dentro de mim, e deste-me parte da tua liberdade, também. até que ficámos os dois presos – eu segurava a tua vida e tu a minha morte. largaste-me já débil, mal conseguindo trepar a um novo buraco de parede. deixaste cair a faca que trazias na mão para me tirares a pele, teu sustento. as balas que tilintavam no bolso da tua camisa como que te trespassavam, justificando as lágrimas que te caíam. para quê matar-me? afinal era só mais um bichinho, e o sol iluminava o meu corpo nu para que tivesses a noção de que estava mesmo ali… puseste-me junto a um buraco de uma árvore e foste embora, eu a ver-te.

quando escorregares, pode ser que me sintas. ficas verde e voltas à parede, mas ao meu nível, ao meu lado, a dar-me o mimo que te quero dar a ti.


teimamos em fazer guerra quando ainda há tanto amor por fazer…