quarta-feira, março 06, 2013

Não-foto tipo realista

Na Avenida da Liberdade estava uma senhora com carteira de marca, chapéu distinto, saia pregada e collants cosidos e rotos em vários sítios. Foi, provavelmente, uma das presenças mais verdadeiras que encontrei.

A verdade daquela senhora incluía tanto a maquilhagem irrepreensível quanto os buracos inusitados pelas pernas fora. É ela, a Avenida da Liberdade. A Pans&Company das senhoras em casacos de pele. Vi-a no momento esquisito de não saber em que língua pensava, ao regressar das aulas de italiano pela Salitre fora, chegando ali. Ando sem perceber ao certo o que é Lisboa, mas aquela é a sua avenida central, a mais poluída, traficada e percorrida das vias alfacinhas, com o terno nome de Liberdade.

Uns metros antes da senhora estavam alguns jovens a pedir contribuições para ajudar cães de rua. Mais acima, um labirinto de caixas de cartão - casa à porta de uma loja vazia, o lugar (de dia desabitado) de um sem-abrigo da zona. Mais abaixo há muitos teatros, restaurantes e hotéis finos, na outra margem surge até a loja do cidadão. Nos intervalos, entre semáforos e segmentos de verde, metálico e pedra, há várias lojas, sobretudo sem preços na montra.

A Avenida da Liberdade é o realismo na performance de Lisboa. O luxo vazio mas central e de pobreza à porta, o fumo da imensa passagem, o pedaço-jardim arranjado, as meias rotas. Aquela senhora, de costas mais direitas que as minhas, era do mais verdadeiro que há. As pernas estavam inchadas e pesadas. Subiu uma escada rolante à minha frente, não a fotografei.