O meu dia foi no verão de 2006. Fazia 20 anos no dia 22 e partia dia 23 de madrugada. Não ía sozinha, mas iria ficar por minha conta. Para tal tinha de aprender uma língua nova, arranjar casa nessa língua e aprender tudo o que é necessário ao nível do desenrascanço tendencialmente autónomo.
Estava em pulgas. Queria sair do sítio há muito tempo. Queria ir para aquele sítio há alguns anos. Sonhava - e fi-lo tanto! - poder rir e chorar desalmadamente em ruas que me desconhecessem e me permitissem essa liberdade.
A festa de anos, no Porto, era sagrada. Nesse ano marcava a despedida. Sentia-me estranha; nunca tinha saído daqui por mais que uns dias. Era uma ansiedade esperançosa e amedrontada, um sorriso tremido de mala pronta há algum tempo, o mesmo sorriso nas caras adultas que me rodeavam. Tínhamos o código do "ninguém desfaz ou a forma cai", e ninguém desfazia, e a forma não caía. Estávamos todos bem.
A uma certa altura, os pirralhos - ainda eram pirralhos - dos meus primos chamaram-me para me darem uma prenda. Tinham escrito e ilustrado uma carta, no alto dos seus 11-12 anos, para me dizerem que a viagem ia correr bem, que gostavam de mim e iriam sentir saudades. Foi um soco abraçadíssimo em tudo o que eu era naquele dia.
A cozinha estreita na casa da Prelada não bastava para aquele rompante emotivo. Eles não percebiam, não queriam provocar aquilo, mas mais ninguém tinha aquela substância tão verdadeira em poucas linhas. Quem vai embora tem medo da saudade como a rocha teme a água que lhe bate sem tempo. A rocha não recua, a pressão não a demove, mas sabe que a água pesa e irá alterá-la. A sua forma será diferente, depois; parecerá mais esculpida. Assim faz a viagem na pessoa.
Os meus primos não sabiam, nessa altura, que a honestidade fazia daquilo. Abraçaram-me durante algum tempo, como faziam antes, quando me viam assim. Os adultos dissiparam-se quase todos nesse instante. Ficou a baixinha à minha frente, a fazer com que me recompusesse e voltasse à sala, sem a carta.
Os minis cresceram muito.
Esta carta torta foi escrita a pensar nos meus primos e dedicada à menina chilena a 29 de Julho de 2013. Hoje, 1 de Fevereiro de 2016, dedico-a ao menino catalão * boa viagem, baixinho!
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segunda-feira, julho 29, 2013
sábado, abril 06, 2013
Sair de casa,
fugir e chegar a casa.
Sentir assim, monstruosamente,
com o dentro que recorda que estamos aqui.
Quem poderá dizer adeus em terra firme?
A terra mexeu-se.
A calma envergonhou o vento.
Ele não voltou a espalhá-la.
Paredes levantadas, sonhos mais altos.
Procedemos ao seu sufoco com a maior ternura do mundo.
"Lá fora corremos com a brisa", disse-me.
Sonhar a praia.
Apagar o sonho,
viver o cómodo.
Prolongar o praticado até à exaustão
e - o espanto! - um dia
sair de casa,
fugir e chegar a casa.
28-03-2013, Bolonha
Sentir assim, monstruosamente,
com o dentro que recorda que estamos aqui.
Quem poderá dizer adeus em terra firme?
A terra mexeu-se.
A calma envergonhou o vento.
Ele não voltou a espalhá-la.
Paredes levantadas, sonhos mais altos.
Procedemos ao seu sufoco com a maior ternura do mundo.
"Lá fora corremos com a brisa", disse-me.
Sonhar a praia.
Apagar o sonho,
viver o cómodo.
Prolongar o praticado até à exaustão
e - o espanto! - um dia
sair de casa,
fugir e chegar a casa.
28-03-2013, Bolonha
quinta-feira, abril 04, 2013
Pendulares somos nós
os que se beijam intermitentemente nas garagens de camionetas
os que se beijam melancolicamente nas estações de comboios
os que se beijam de alma sabe-se lá como nas passagens de hospital
Pendulares somos nós
que nos beijamos sempre, em movimento,
em cadência, em risco,
em esperança, em vão
Pendulares somo nós
que calcorreamos parte do mundo
criando laços, abraços, melancolias
e melodias infinitas
quais fundos de novos beijos
Pendulares somos nós
que beijamos perdidamente
e que choramos cada movimento de beijo perdido
17-03-2013, Porto
os que se beijam melancolicamente nas estações de comboios
os que se beijam de alma sabe-se lá como nas passagens de hospital
Pendulares somos nós
que nos beijamos sempre, em movimento,
em cadência, em risco,
em esperança, em vão
Pendulares somo nós
que calcorreamos parte do mundo
criando laços, abraços, melancolias
e melodias infinitas
quais fundos de novos beijos
Pendulares somos nós
que beijamos perdidamente
e que choramos cada movimento de beijo perdido
17-03-2013, Porto
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