domingo, julho 02, 2006

rua do inferno

Paqui Morales, 38 anos, divorciada, sem filhos, caixeira de supermercado, ex-crente, ex-agnóstica e ex quase tudo o que quiserem. Agora posso dizer sem receio de me enganar que desperdicei a minha juventude com o homem inadequado. Mas limitei-me a fazer tudo aquilo para que estava programada. O liceu, os amigos, o namorado, o desemprego, o trabalho, o apartamentozinho, as cortinas do apartamentozinho, os móveis da cozinha do apartamentozinho, o casamento, a viagem de núpcias e o fim da história. A minha vida conjugal foi tão apaixonante como um tratado sobre os marsupiais. Noite após noite, besuntava-me com os cremes da eterna juventude. A seguir vestia a camisa de noite, sempre a mesma, mas cada vez mais curta, e deitava-me à espera que ele se pusesse em cima de mim. Mas ele já tinha adormecido no sofá.

Depois do divórcio tentei desforrar-me arrastando para a minha cama centenas de homens. Ao princípio teve a sua graça, mas um dia descobri que em cima de mim, a bufar contra a minha almofada, estava o mesmo tipo de que me tinha divorciado. Bem, de facto não era exactamente o mesmo, mas resfolegava da mesma maneira, por isso tirei-o de cima de mim e lancei-lhe: “Ó minha besta, não vês que eu não sou uma boneca insuflável? Preciso que falem comigo, que me amem, que me façam sentir que sou gente.” Não demorou nem dois minutos a pôr-se na alheta.

A minha vida tornou-se um calvário: solidão, incomunicação, pizzas congeladas… Até que, numa noite de insónias, encontrei o amor num chat porno. Fazia-se chamar Mosca, mas eu precisava com urgência de um homem diferente, e ao fim e ao cabo tínhamos entrado ambos naquele chat por mero interesse sociológico… “O meu nome é Rosa Branca.” “E como és?” “Culta, sonhadora, inconformista… E tu?” “Alto, bonito, nadador-salvador…” Começámos a falar de música, de cinema, de poesia, e a empatia foi imediata. O Mosca era tão educado, tão atencioso, tão interessante… Partilhámos a nossa torre de marfim, arredados do mundo, a falar de música, de cinema, de poesia, durante meses e meses, mas nunca de sexo. Até que, um belo dia, eu me fartei e disse-lhe: “Amo-te, coração. Preciso de te conhecer em carne e osso, de te tocar, de te morder, de fazer amor contigo desvairadamente.” “Sou casado.” “Não me importa!” “Sou calvo, baixinho e funcionário público.” “E que importância tem isso? Passaste no exame. Só quero saber quando e onde nos podemos encontrar.” “Vivo na Nova Zelândia”. Outra qualquer teria desistido, mas eu não. Eu pedi um empréstimo ao banco, meti-me num avião e aterrei na Nova Zelândia. Esperei durante seis horas com uma rosa branca na mão, para ele me reconhecer. Por fim, cravei os espinhos todos nos dedos. O Mosca nunca apareceu, e eu continuo a pagar o empréstimo.

A Rua do Inferno, de Antonio Onetti

2 comentários:

Pedro Fontoura disse...

"For the rain it raineth every day".

William S.

vera disse...

valeu a pena ter esperado tanto tempo para ler algo novo no teu blog.