segunda-feira, outubro 29, 2007

perplessa

não consigo evitar ficar perplexa com o que tenho lido. falo nomeadamente no âmbito da violência e respostas possíveis para potenciar um contexto oposto – inocentemente, por vezes, denominado Paz.

era uma vez um metro do Porto. em plena hora de ponta, como se pode esperar, o metro encontra-se cheio. há, no entanto, quem se afaste de “potenciais focos de problemas”. falo de um pequeno grupo de rapazes, entre os 10 e os 13 anos, com expressões “assustadoras” para os restantes transeuntes. ao verem que alguém escrevia qualquer coisa no telemóvel, começaram a representar um possível assalto subsequente, com instruções explícitas: “e é quando ela acaba de escrever que um de nós estica o braço e…”, e, nesse momento, parou de escrever e tirou o dito acessório tecnológico do alcance deles. ao que se seguiu um monólogo triste: sem subir o tom de voz, e perante a apatia de quem seguia no mesmo metro, indagou os rapazes sobre a justiça de tal acto, o conhecimento que tinham sobre o processo de cada um para ter o que tem, o que será preciso para sobreviver – medo ou acção? – etc. até ao ponto em que incorreu na mágoa mais profunda de lhes dizer: “o que vocês precisam é de mimo”. e um olhar muito triste focou o mesmo chão de todos nós. “desculpe, menina, você é bonita. desculpe. até à próxima.”

era uma vez um bairro social com forte percentagem de residência de emigrantes. por diversas vozes considerado das áreas de maior incidência criminal e violência da cidade. um dos problemas efectivos era a comunicação: eram poucos os que falavam a mesma língua. um dia, a caminho do estágio, perdi-me, portuense em Bologna. perguntei ao primeiro rapaz que encontrei uma saída possível; só percebi “Rússia”, ainda não tinha aprendido a falar, mas pegou no meu braço e levou-me até à paragem de um autocarro que me conduziria ao centro. pouco tempo depois perdi-me na periferia oposta, onde só havia caravanas das comunidades Rom nómadas. uma menina reconheceu-me, por me ter visto a entrar no Jardim-de-Infância, apresentou-me a família e continuou a brincar no jardim em que vivia. apontou o caminho de saída e mandou um beijo ao ar. etc, etc.

eram muitas vezes muitas pessoas com medo de respirar. por terem receio de construir alguma solução colectiva, de procurar respostas humanamente comunitárias, deixam-se cair na apatia individualista e egoísta. apostam no fitness enquanto paz de corpo e no vazio constante enquanto paz de espírito. se calhar, nunca pensaram num conceito de Paz dinâmica. aquela que implica acção, disponibilidade, intencionalidade, aquela que não é a ausência da revolta mas a forma privilegiada de luta. aquela que exige crítica para ser compreendida e desenvolvida.

que cansaço de apáticos conformistas. que medo de ser assim quando, de tão cansada, não acreditar de todo que é possível mudar alguma coisa.

Um comentário:

mar!ana disse...

Salva-nos de nós, Inês, que eu também tenho medo.

Há algum tempo atrás, quando andava cansada muitas vezes seguidas, decidi que ia para onde já muitas mudanças tinham sido feitas.
Mas já nem sei o que é pior. Ser conformista ou fugitiva.

Falando em brava...